sábado, 16 de agosto de 2014

Dar descanso

Um dia para darmos descanso à revolução
E olhar apenas para as ondas a bater no mar
Amigo, um dia para descansar
Largar a espingarda e abrir a mão
Pois os dedos já estão perros
De tanto punho elevado no ar
E a rouquidão já nem nos deixa beber
Um dia sem tiros e calados
Um dia sem pobres amarrados
Amanhã gritaremos outra vez
Contaremos até três para matar a burguesia
Para já um dia de descanso à beira mar
A pólvora já me cansa
Cheiremos antes a maresia

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Para que continues a fumar

Hoje escolhi rimar o pensamento
Com o momento de que falámos
Juntos criamos ou criámos
Porque o que escrevemos nada mais é do que uma conversa
Uma situação inversa que não interessa à realidade
Que se liberta nos círculos de fumo de um velho cachimbo
Fecundado pelas letras e perfurados pela imaginação
E a falta de sentido que tudo tem
A isso só nos resta chamar de criação

Cachimbo

O rodar do mundo torna-nos velhos
como as ondas nos fazem marinheiros
se ao menos a vida nos desse concelhos
poderiamos transformar-nos em carpinteiros.

Lutamos, ainda assim, contra todas as marés
para que não nos possam transformar em pequenos soldados de chumbo.
E o que conseguimos daí? Ser vistos como crocodilos ou jacarés?
Não, desculpem, mas assim não partilham o meu cachimbo.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Vento escravo

Os ventos escravos rebentam na costa
Fazendo-se sentir como uma suave vibração na terra
Que ignoramos constantemente
Porque não os queremos libertar

Rebentam batem rebatem despedaçando-se em sangue
Batem rebatem rebentam até à morte
Até que a sorte d'os ouvires chegue
Até que a sorte lhes traga o teu colo
E aí os possas desatar e os possas cantar
Para que eles serenem
Para que eles possam novamente navegar
Perdendo-se nas ondas que agora regressam
Para o lugar perdido na montanha no alto do mar

Efeitos

O efeito transforma tudo em tudo.
A espera sustentada traz-nos a Primavera
pela avenida do Desamor.
A chama esfria se não for aos lençóis.
Venha a cura, e com ela vertigens.

Criar é tarefa de encenador,
ou copiar sem dar a entender, se for superior.
Ao actor apenas cabe obedecer.
Já eu, faço um e outro papel,
com o objectivo de te deitar, sem dor.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

La Muerte

Deita-te hoje a meu lado amada companheira fria da hora quente
Deita-te ao meu lado longe da tua cama metálica de explosões
Dorme comigo enchendo a cama com o pó que ainda te cobre
Deixa-me ser eu desta vez a partir teus ossos e dominar o teu fôlego
Fazer-te esquecer o teu emprego de genocídios às 9 da manhã
E biscates pela tarde entre ricos vagabundos de carteira pobre
Deixa-me quebrar-te em ménages de incesto com a vida tua irmã
E pôr-te de férias por umas horas de sexo
Para que mais nenhum homem te possa chamar para as suas guerras
E ser apenas eu hoje entre as tuas pernas
Para que hoje, tu morte, possas parar
Numa cama sem África, Iraque ou Israel
Só nós dois longe da humanidade que se masturba em suicídio

Filosofia

A consciencialização da anarquia generalizada do povo
cresce em redor do pavor criado pela ideia da solidão.
Só assim se explica a solidariedade
e os sorrisos que nascem sob as chamas da falsidade.

Cabe ao filósofo procurar e encontrar
uma forma de esfriar todas estas brasas
para que o povo possa acreditar
que não há vida sem pavor dentro das nossas casas.

A todos nós só nos resta filosofar.

domingo, 10 de agosto de 2014

Mais um pouco de erosão

Erosão generalizada de grãos de pouco mar
À espera de serem popular areia de cidade
Em apartamentos escuros rebentando electricidade e partilhas sociais
Grãos capitães de antigas rochas, Generais grãos continentais
Agora escorrendo solidão consentida de multidão em serem apenas soldados
Escolhendo ser nada mais que gente banais
Nas cidades que vomitaram artistas
Nas cidades que cagaram cientistas e filósofos
Nas cidades que suaram música apenas para a limpar de vez
Nas marés cheias de despertadores e trânsito e carros e transportes públicos e escritórios e rebentares de horas de almoço e reuniões e mais quarenta futilidades que de tão quotidianas nem reparamos na rotina nasce o egoísmo
E só ai estamos sós
Sós no processo mecânico de nos tornarmos indestrutível aço e rolamento para encaixar  numa qualquer sociedade dentada
Porém tudo vaza nos copos derramados sobre a traqueia apenas para desidratar
Tudo se expõe na maré rasa de um copo de verão
Que não é mais do que enferrujar
E desencaixar em simultâneo
Tornando tantos uns em dois ou mais
Pondo de novos os homens animais
Racionais máquinas de foder
Racionais máquinas carnais

A rara percepção do egoísmo humano
nasce nos momentos de solidão.
Vem com as marés mais frias
e corrói toda a rocha, sem excepção.

Nem a sociedade mais virgem
escapa a tal destino cruel.
Dentro de nós há um vício
que não nos permite ser fiel.

O vício de que falo é antigo
e se tem nome, chama-se vida.
Queria ter forças para a negar
mas é uma causa perdida.

Quem nos controla não está no céu,
quem nos controla é o ceu, sem tristeza.
O seu único objectivo é viver,
em nós, através de nós. Natureza.